2ª Turma invalida interceptações ilegais em ação penal contra Demóstenes Torres.

 

Em decisão unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal acolheu parcialmente nesta terça-feira (25) o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 135683, impetrado pela defesa do ex-senador Demóstenes Torres, e invalidou as interceptações telefônicas, realizadas no âmbito das operações Vegas e Monte Carlo, que serviram de base à denúncia contra ele em ação penal que corre no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). O entendimento foi o de que Torres, à época senador da República, detinha foro por prerrogativa de função, e a manutenção das interceptações exigiria autorização do STF. Tanto as interceptações quanto as demais provas delas derivadas deverão ser retiradas do processo pelo TJ-GO, a quem compete verificar se remanesce motivo para o prosseguimento da ação com base em provas autônomas que possam sustentar a acusação.

 

As operações Vegas e Monte Carlo foram deflagradas pela Polícia Federal em 2008 e 2009, tendo como objeto a exploração ilegal de jogos e como principal investigado Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira. As interceptações telefônicas, autorizadas pelo juízo de primeira instância, revelaram as relações de Cachoeira com diversos políticos, entre eles Demóstenes Torres, que, em 2012, foi indiciado no Inquérito 3430 no STF.

 

Com a cassação de seu mandato, naquele mesmo ano, o processo foi remetido à Justiça goiana. O TJ-GO, foro competente para julgar o caso em razão de Demóstenes Torres ser membro do Ministério Público de Goiás, recebeu a denúncia na qual se imputa ao ex-senador a prática dos crimes de corrupção passiva e advocacia administrativa (artigos 317 e 321 do Código Penal), e ele passou a responder à ação penal.

 

Desde o início das investigações, a defesa alega nulidade das interceptações, afirmando que houve usurpação da competência do Supremo. O argumento era o de que as interceptações telefônicas foram feitas sem a autorização do STF, foro competente para processar e julgar o então parlamentar. As tentativas de trancar a ação penal, porém, foram sucessivamente rejeitadas pelo TJ-GO e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

O RHC 135683 foi interposto contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que julgou válidas as provas obtidas por meio da interceptação. Os defensores sustentavam que Demóstenes Torres “foi alvo de uma articulada e estratégica teia investigativa ilegalmente promovida” pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e juízo federal de primeiro grau, “com anuência e supervisão extraoficial do procurador-geral da República à época”. Alegavam que a investigação se dirigiu a ele a partir de uma descoberta fortuita, mas, em seguida, “prosseguiu por meses a fio” a fim de juntar provas que vieram a integrar a denúncia.

 

O relator do recurso, ministro Dias Toffoli, leu diversos trechos das degravações das ligações interceptadas para demonstrar que, desde o início das investigações, em 2008, já havia indícios do possível envolvimento de políticos de expressão nacional – inclusive com a produção de relatórios à parte relativos a essas autoridades, com foro por prerrogativa de função – e que o Ministério Público tinha ciência desses fatos. Em alguns trechos, os relatórios sinalizam que a remessa do caso “atrapalharia as investigações”. Apesar desses indícios, somente em junho de 2009 é que a autoridade policial alertou sobre a competência processual do caso, resultando na remessa dos autos ao Supremo.

“Embora Demóstenes Torres não tenha sido o alvo direto das investigações, o surgimento de indícios de seu envolvimento tornava impositiva a remessa do caso para o STF”, afirmou o ministro. Para Toffoli, o prosseguimento das interceptações configurou “um modus operandi controlado, cujo intuito seria o de obter, por via oblíqua, mais indícios de envolvimento do então senador, sem autorização do STF”, afirmou em seu voto (leia a íntegra).

 

Os ministros que integram a Segunda Turma foram unânimes em ressaltar a gravidade do caso. Para o ministro Teori Zavascki, trata-se de um caso clássico de usurpação de competência. “É lamentável que esses episódios ocorram, e não é a primeira vez”, afirmou. “Se temos constitucionalmente uma distribuição de competência, é preciso que isso seja realmente levado a sério”. Para Teori, este RHC é um exemplo que tem de ser levado em consideração. “Apesar das evidências robustas, as provas são ilícitas”, concluiu.

 

O ministro Ricardo Lewandowski, relator do inquérito contra Torres remetido ao TJ-GO, ressaltou que havia mais de mil páginas referentes às interceptações realizadas sem autorização do STF. “É uma situação intolerável, sob pena de desmoronarem as instituições”, avaliou. A invalidação das provas, a seu ver, sinaliza que o Supremo “não tolerará qualquer tipo de usurpação de sua competência”.

 

Para o ministro Celso de Mello, o caso revela um “quadro censurável de gravíssimas anomalias de índole jurídica”. Segundo o decano do STF, o caso é de patente desrespeito à ordem constitucional, e a decisão deve servir de referência aos agentes estatais. “Diante do possível cometimento, por um senador da República, de uma suposta prática delituosa, caberia à autoridade judiciária de primeira instância, sob cuja supervisão tramitava o procedimento de investigação, imediatamente, reconhecer sua falta de competência e determinar o encaminhamento dos autos ao STF”, destacou.

O presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que se trata de “um bom caso de abuso de autoridade”, no qual, conscientemente e por tempo indeterminado, se deixou que a investigação prosseguisse em relação a pessoas dotadas, à época, de prerrogativa de foro, sem a necessária autorização. “O caso transcende seu próprio objeto”, afirmou. “É fundamental que estejamos estabelecendo um precedente crítico em relação a abusos que se perpetram na seara da proteção dos direitos e garantias individuais, sendo o mais caro deles o direito à liberdade”.

 

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