Planejamento de Incapacidade Futura: Compromisso de Vida.

Nélio Silveira Dias Júnior

 

Atualmente, por testamento, toda pessoa capaz pode dispor, para depois de sua morte, da totalidade dos seus bens ou de parte deles (Código Civil, art. 1.857).

A contrario sensu há quem entenda que não pode a pessoa capaz planejar a sua incapacidade superveniente, escolhendo antecipadamente o seu representante legal (curador) para gerir a sua vida civil, uma vez que tal manifestação de vontade não tem previsão legal específica para isso.

No Direito Comparado, isso é permitido. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse desejo é válido e tem o nome de living will.

No Brasil, em que pese entendimento em contrário, entendemos também ser possível a celebração de negócio jurídico, em que a pessoa capaz possa ter o direito de escolher antecipadamente por quem será assistida durante o período de sua incapacidade superveniente, ou seja, no momento em que perder o discernimento necessário para administrar os próprios bens e reger sua vida.

Todavia, a declaração antecipada de vontade, por não ter norma específica disciplinando diretamente a matéria, sofrerá limitações, uma vez que não se poderá ir além do que é permitido no sistema jurídico vigente.

Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, estão sujeitos à curatela  (CC, art. 1.767, I), que, por sua vez, terão como curador, obrigatoriamente, o cônjuge ou companheiro, ou, na falta destes, o pai ou mãe, ou sendo estes ausentes, o descendente –  o mais próximo precede ao mais remoto –   que se demonstrar mais apto (CC, art. 1.775, §§ 1º a 3º).

Assim, se for determinado, em declaração antecipada de vontade, curador dentre as pessoas acima mencionadas e respeitadas as exigências legais para o exercício da curatela é completamente eficaz  esse ato jurídico. Isso, à primeira vista, pode ser pouco, pois o ideal seria a pessoa capaz ter o direito de designar previamente o seu curador, de forma livre e sem amarras, mas, da maneira aqui apresentada, já é o suficiente para evitar o conflito familiar, mais provável e acentuado quando a declarante tem bens e rendas significativas.

Para efetivar essa declaração antecipada de vontade, entendemos que pode ser  feita por instrumento particular: Termo de Compromisso Vital de Representação de Incapacidade Futura, nome por nós adotado, o qual deve ser assinado pelo declarante e declarado, assim como por duas testemunhas idôneas, que a tudo assistiram e dão fé, acompanhada de dois atestados de sanidade mental, subscritos por um psiquiatra e um neurologista.

A regra, no nosso ordenamento jurídico, é a liberdade de celebrar negócio jurídico, apenas é exigido para sua validade: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; c) forma prescrita ou não defesa em lei (Código Civil, art. 104, I a III).

A doutrina caminha no sentido de ser possível o planejamento de incapacidade superveniente. Porém, às vezes, o denomina de forma diferente, como é o caso de Rolf Madaleno, para quem chama de autocuratela, como é designada no direito alienígena, afigurando-se, para ele,  em um mecanismo jurídico consistente em uma declaração de vontade firmada  por pessoa capaz, que de forma preventiva, diante de uma situação de incapacidade, previsível ou não, organiza sua futura curatela, indicando atitudes a serem tomadas quanto à sua pessoa e em relação a seus bens, organizando preventivamente a sua curatela.[1]

Nada disso substitui o processo de interdição, previsto no Código de Processo Civil (arts. 747/763), o qual deve ser buscado quando a pessoa perde sua incapacidade civil, apenas serve o instrumento para auxiliar o juiz no momento de nomear o curador e ajudá-lo no estabelecimento das condições da curatela e na fixação dos seus limites, o que é salutar.

[1] Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, pág. 1211.

Voltar