Descumprir Decisão Judicial do Juízo Cível tem Consequência Penal.

Nélio Silveira Dias Júnior

 

O vencido deve se curvar à decisão, cumprindo-a em todos os seus termos. Antiga é a máxima de que decisão judicial não se discute, cumpre-se[1].

São deveres das partes cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços a sua efetivação (CPC, art. 77, IV).

Não sendo isso observado, constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta (CPC, art. 77, §§ 1º e 2º).

O cumprimento da decisão mandamental, por depender da iniciativa do vencido, interessa não apenas ao beneficiário pelos termos do pronunciamento, como também ao Estado, sob pena de a ordem judicial se qualificar como mera recomendação, sem garantir efetividade[2].

Mas, não só é essa reprimenda que deve sofrer aquele que descumpre uma ordem judicial, diante da gravidade do ato.

O Estado deve punir, de forma exemplar e com rigor, aquele que descumpriu uma ordem por ele emanada, para não cair em descrédito o Poder Judiciário, ocasionando a sensação de impunidade no país.

Para isso, o Código Penal tem figura típica: desobediência.

Assim, pratica o crime de desobediência aquele a quem é dirigida uma ordem legal de funcionário público e deixa de cumpri-la. É o que prevê o art. 330 do Código Penal.

Desobedecer é não cumprir, não atender.

Sujeito ativo do crime é aquele que desobedece a ordem legal emanada pela autoridade competente.

Portanto, aquele que descumprir decisão judicial, proferida no juízo cível, constitui crime e que deve ser apurado o quanto antes.

Todavia, esse não é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, para quem o crime de desobediência é subsidiário e somente se caracteriza nos casos em que o descumprimento da ordem emitida pela autoridade  não é objeto de sanção administrativa, civil ou processual [3].

É a aplicação do princípio da intervenção mínima do direito penal.

Sempre que houver cominação específica para o eventual descumprimento de decisão judicial de determinada sanção, tem-se entendido que se trada de conduta atípica, pois o ordenamento jurídico procura solucionar o eventual descumprimento de tal decisão no âmbito do próprio direito privado.[4]

Todavia, pondera Cleber Masson, que a doutrina e a jurisprudência firmaram-se no sentido de que, quando alguma lei comina determinada sanção civil ou administrativa para o descumprimento de ordem legal de funcionário público, somente incidirá o crime tipificado no art. 330 do Código Penal se a mencionada lei ressalvar expressamente a aplicação cumulativa do delito de desobediência.[5]

Esse deve ser o entendimento a prevalecer. Porém, sem o rigor que lhe foi dado.

Se o Código de Processo Civil estabeleceu que deve o juiz, em caso de ato atentatório a dignidade da justiça, aplicar ao responsável, além das multas,  as sanções criminais cabíveis, deve ser compreendido que o legislador ressalvou a aplicação do art. 330, do Código Penal.

O caso deve ser visto a partir do “contempt of court”, que pode ser definido como a ofensa  ao órgão judiciário ou à pessoa do juiz, que recebeu o poder de julgar do povo, comportando-se a parte conforme suas conveniências, sem respeitar a ordem emanada da  autoridade judicial.[6]

Portanto, deve o juiz cível, ao verificar ou ser informado da existência de crime de desobediência, remeter a documentação comprobatória da conduta criminosa ao Ministério Público para o oferecimento da denúncia (CPP, art. 40).

 

 

[1] MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2008, pág. 55.

[2] Misael Montenegro Filho, op. cit. pág. 55.

[3] STJ – AgRg no HC 345.781/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 31/05/2016.

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – 5 – 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 209.

[5] MASSON, Cleber. Direito Penal  esquematizado – Vol. 3 – 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, pág.  746.

[6] DE ASSIS, Araken, in artigo O contempto of court no Direito Brasileiro publicado em www.abdpc.org.br

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