Acumulação de Aposentadoria Federal com Pensão Estadual sob a ótica da Constituição.

Nélio Silveira Dias Júnior

 

A Constituição da República não proíbe o acúmulo de aposentadoria com pensão por morte. Veda apenas a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime de previdência, excluídas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis na forma da Carta Magna (art. 40, § 6º).

Todavia, a Constituição impôs limite ao pagamento das verbas remuneratórias dos agentes públicos, assim como aos proventos de aposentadoria e as pensões por morte, percebidas cumulativamente ou não, tomando por base os subsídios mensais de agentes políticos e suas competências funcionais, divididas no âmbito dos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e dos Poderes constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário), de acordo com o seu art. 37, inciso XI[1].

Esse dispositivo constitucional é confuso e de difícil compreensão e, por isso, não pode ser interpretado literalmente, sob pena de se tornar ineficaz.

Para o constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA, essa norma é um monstrengo mesmo, tanto na concepção como na formulação de seu conteúdo, com várias cabeças, caracterizadas pelos diversos tetos, com a pretensão de abarcar tudo.[2]

Quer se conter no teto toda forma de estipêndio percebida por todos os agentes públicos, sejam agentes administrativos, técnicos ou políticos, sejam da Administração direta, autárquica ou fundacional, de todas as entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e de todos os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário).[3]

É o caso de se lembrar do dito popular: “quem tudo quer, tudo perde”.

Dessa forma, é evidente que dali não se pode extrair  a possibilidade de acumulação de aposentadoria com pensão por morte, com o objetivo de incidir o teto constitucional, principalmente quando se tratar de entidades instituidoras distintas.

Para os servidores e agentes políticos da União o teto é um só: o subsídio dos Ministros do STF. Também para os servidores e agentes políticos dos Municípios o teto é único: o subsídio do prefeito. Mas para os agentes públicos dos Estados e do Distrito Federal são três tetos: (a) no âmbito do Poder Executivo, o teto é o subsídio mensal do governador; (b) no âmbito do Poder Legislativo, os subsídios dos deputados estaduais e distritais; (c) no âmbito do Poder Judiciário, o subsídio dos desembargados do Tribunal de Justiça – mas estes mesmos sujeitos ao teto de 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF, incluindo-se nesse limite os agentes políticos que exercem funções essenciais à justiça, ou seja, os membros do Ministério Público, os Procuradores e os Defensores Públicos. [4]

Portanto, a diversidade de tetos, criados com base em entes políticos distintos, afasta completamente a possibilidade de se somar as verbas remuneratórias e proventos de aposentadorias com pensão por morte, para fins do abate-teto, percebidas, uma, por entidade federal, e outra, por entidade estadual.

Se não for assim, instaurar-se-á um caos administrativo. Em caso de alguém perceber uma pensão estadual e uma aposentadoria federal: qual o teto a ser aplicado, estadual ou o federal ? Qual a unidade administrativa competente para realizar o abate-teto ?

E  esse  impedimento  se  estende  também, ainda que se trate do mesmo ente político, quando se referir a Poderes constituídos distintos, pelas mesmas razões ali defendidas: diversidade de tetos.

Mesmo que assim não fosse, a referida norma constitucional ainda gera discussão quanto à sua aplicabilidade a determinadas verbas remuneratórias, como é o caso da pensão por morte.

No caso da pensão por morte, tendo em vista que o instituidor (o de cujus) é pessoa diversa do beneficiário, há entendimento de que esse benefício não deveria ser acumulado com verbas remuneratórias ou proventos de aposentadoria, para efeito de incidência do chamado “abate-teto”.

Assim, entende o Tribunal de Contas da União, ao concluir, no Acórdão nº 2079/2005, que o servidor que recebe simultaneamente remuneração ou proventos de aposentadoria e pensão por morte instituída por outro servidor público não se submete ao teto, embora cada verba, individualmente, se submeta à limitação prevista no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal.

Nesse sentido, é o posicionamento dos Tribunais Regionais Federais, a exemplo do da Primeira Região, que, reiteradamente, vem  assim se posicionando: “não incide o abate teto sobre o somatório dos proventos de aposentadoria com a pensão deixada por seu falecido esposo. Cada uma dessas parcelas deve ser considerada isoladamente para fins de submissão ao teto constitucional. [5]

Dessa maneira, é legítima a acumulação de proventos de aposentadoria de servidor público com pensão por morte de cônjuge falecido e também servidor público, de modo que o teto constitucional deve incidir isoladamente sobre cada uma destas verbas. [6]

Essa é a inteligência lógico-sistemática da Constituição Federal.

 

[1] “A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o sub-sídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”

[2] DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 1995, pág. 341.

[3] Idem, ibidem.

[4] José Afonso da Silva, op. cit. pág. 341.

[5] TRF1 – AC 2009.38.00.022696-0, 1ª Turma –  Desembargadora Federa (em exercício)  Maria Cândida Carvalho Monteiro de Almeida – e-DJF1 16/06/16.

[6] ROMS 200902196699 – 5ª Turma – Moura Ribeiro – DJ  24/06/2014 RSTJ VOL.:00235 PG:00512

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